terça-feira, 16 de outubro de 2012

Náusea da terra



Eu vi os coronéis.
Coronel e coronelzinho só
Títulos à pagar e dívidas no Banco.
Da terra não sobrou quase nada,
Apenas botina e a aba do chapéu.
Já arrogância!
e a mania de enganar pobre.

Eu vi herdeiros coronéis
Ao redor da mesa.
 Estavam cheios de cerveja e merda.
Cabelos e pelos prateados,
A mesa arrotava hipocrisia.

Eu vi os coronéis.
até a morte,
Um dia voltarão para a terra  
E ela ofendida, cheia de vômitos
Vingará.

Eu vi os coronéis.
- a metamorfose.
Novos velhos  pequenos,
Eu vi
Assim como a terra humilhada
Senti nojo de ver
Eu vi, Eu vi...

terça-feira, 9 de outubro de 2012

O Uivo




Para Carl Solomon
 I

Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela
    loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
    em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo
    contato celestial com o dínamo estrelado da
    maquinaria da noite,
que pobres esfarrapados e olheiras fundas, viajaram
    fumando sentados na sobrenatural escuridão dos
    miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando
    sobre os tetos das cidades contemplando o jazz,
que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado
    e viram anjos maometanos cambaleando iluminados
    nos telhados das casas de cômodos,
que passaram por universidades com olhos frios e
    radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz
    de Blake entre os estudiosos da guerra,
que foram expulsos das universidades por serem loucos
    & publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos de paredes de pintura
    descascada em roupa de baixo queimando seu
    dinheiro em cestos de papel escutando o Terror
    através da parede,
que foram detidos em suas barbas púbicas voltando
    por Laredo com um cinturão de marihuana para
    Nova Iorque,
que comeram fogo em hotéis mal pintados ou
    beberam terebentina em Paradise Alley, morreram ou
    flagelaram seus torsos noite após noite com
    som, sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília,
    álcool e caralhos em intermináveis orgias,
incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula,
    e clarão na mente pulando nos postes dos pólos de
    Canadá & Paterson, iluminando completamente o
    mundo imóvel do Tempo intermediário,
solidez de Peiote dos corredores, aurora de fundo de
    quintal das verdes árvores do cemitério, porre de vinho
    nos telhados, fachadas de lojas de subúrbio
    na luz cintilante de neon do tráfego na
    corrida de cabeça feita do prazer, vibrações de
    sol e lua e árvore no tronco de crepúsculo de
    inverno de Brooklyn, declamações entre latas
    de lixo e a suave soberana luz da mente,
que se acorrentaram aos vagões do metrô para o
    infindável percurso do Battery ao sagrado Bronx
    de benzedrina até que o barulho das rodas e
    crianças os trouxesse de volta, trêmulos, a boca
    arrebentada o despovoado deserto do cérebro
    esvaziado de qualquer brilho na lúgubre luz do Zoológico,
que afundaram a noite toda na luz submarina
    de Bickford´s, voltaram à tona e passaram a tarde
    de cerveja choca no desolado Fuggazi´s escutando
    o matraquear da catástrofe na vitrola
    automática de hidrogênio,
que falaram setenta e duas horas sem parar do
    parque ao apê ao bar ao Hospital Bellevue ao
    Museu à Ponte do Brooklyn,
batalhão perdido de debatedores platônicos saltando
    dos gradis das escadas de emergência dos parapeitos
    das janelas do Empire State da Lua,
tagarelando, berrando, vomitando, sussurrando fatos
    e lembranças e anedotas e viagens visuais e choques
    nos hospitais e prisões e guerras,
intelectos inteiros regurgitados em recordação total
    com os olhos brilhando por sete dias e noites,
    carne para a sinagoga jogada à rua,
que desapareceram no Zen de Nova Jersey de
    lugar algum deixando um rastro de postais ambíguos
    do Centro Cívico de Atlantic City,
sofrendo suores orientais, pulverizações tangerianas
    de ossos e enxaquecas da China por causa da
    falta da droga no quarto pobremente mobiliado de Newark,
que deram voltas e voltas à meia noite no pátio da
    ferrovia perguntando-se aonde ir e foram, sem
    deixar corações partidos,
que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões
    de carga, vagões de carga, que rumavam ruidosamente
    pela neve até solitárias fazendas dentro da noite do avô,
que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia
    e bop-cabala pois o Cosmos instintivamente
    vibrava a seus pés em Kansas,
que passaram solitários pelas ruas de Idaho procurando
    anjos índios e visionários que eram anjos índios e visionários
que só acharam que estavam loucos quando Baltimore
    apareceu em estase sobrenatural,
que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma
    no impulso da chuva de inverno na luz das ruas
    da cidade pequena à meia-noite,
que vaguearam famintos e sós por Huston procurando
    jazz ou sexo ou rango e seguiram o espanhol
    brilhante para conversar sobre a América e a Eternidade,
    inútil tarefa, e assim embarcaram
    num navio para a África,
que desapareceram nos vulcões do México
    nada deixando além da sombra das suas calças
    rancheiras e a lava e a cinza da poesia espalhadas
    pela lareira Chicago,
que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI
    de barba e bermudas com grandes olhos pacifistas
    e sensuais nas suas peles morenas, distribuindo
    folhetos ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos nos seus braços
    protestando contra o nevoeiro narcótico de
    tabaco do Capitalismo,
que distribuiram panfletos supercomunistas em Union
    Square, chorando e despindo-se enquanto as
    Sirenes de Los Alamos os afugentavam gemendo
    mais alto que eles e gemiam pela Wall Street e
    também gemia a balsa de Staten Island
que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos,
    nus e trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,
que morderam policiais no pescoço e berraram de
    prazer nos carros de presos por não terem cometido
    outro crime a não ser sua transação pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no metrô e foram arrancados do
    telhado sacudindo genitais e manuscritos,
que se deixaram foder no rabo por motociclistas
    santificados e berraram de prazer,
que enrabaram e foram enrabados por esses serafins
    humanos, os marinheiros, carícias de amor
    atlântico e caribeano,
que transaram pela manhã e ao cair da tarde em
    roseirais, na grama de jardins públicos e cemitérios,
    espalhando livremente seu sêmen para
    quem quisesse vir,
que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar
    mas acabaram choramingando atrás de um tabique
    de banho turco onde o anjo loiro e nu veio
    trespassá-los com sua espada,
que perderam seus garotos amados para as três
    megeras do destino, a megera caolha do dólar heterossexual, megera caolha que pisca de
    dentro do ventre e a megera caolha que só sabe
    sentar sobre sua bunda retalhando os dourados
    fios intelectuais do tear do artesão,
que copularam em êxtase insaciável com um garrafa
    de cerveja, uma namorada, um maço de cigarros, uma
    vela, e caíram na cama e continuaram
    pelo assoalho e pelo corredor e terminaram
    desmaiando contra a parede com uma visão da
    boceta final e acabaram sufocando o derradeiro lampejo da
    consciência,
que adoçaram as trepadas de um milhão de garotas
    trêmulas ao anoitecer, acordaram de olhos vermelhos
    no dia seguinte mesmo assim prontos
    para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas
    nos celeiros e nus no lago,
que foram transar em Colorado numa miríade de
    carros roubados à noite, N.C., herói secreto destes
    poemas, garanhão e Adônis de Denver – prazer
    ao lembrar suas incontáveis trepadas com garotas
    em terrenos baldios & pátios dos fundos de
    restaurantes de beira de estrada, raquíticas fileiras
    de poltronas de cinema, picos de montanha
    cavernas com esquálidas garçonetes no
    familiar levantar de saias solitário à beira da
    estrada & especialmente secretos solipsismos de
    mictórios de postos de gasolina & becos da cidade
    natal também,
que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram
    transportados em sonho, acordaram num
    Manhattan súbito e conseguiram voltar com uma
    impiedosa ressaca de adegas de Tokay e horror
    dos sonhos de ferro da Terceira Avenida &
    cambalearam até as agências de desemprego,
que caminharam a noite toda com os sapatos cheios
    de sangue pelo cais coberto por montões de
    neve, esperando que uma porta se abrisse no
    East River dando para um quarto cheio de vapor e ópio,
que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos
    de apartamentos do Huston à luz azul de holofote
    antiaéreo da luta & suas cabeças receberão
    coroas de louro no esquecimento,
que comeram o ensopado de cordeiro da imaginação
    ou digeriram o caranguejo do fundo lodoso dos
    Rios de Bovery,
que choraram diante do romance das ruas com seus
    carrinhos de mão cheios de cebola e péssima música,
que ficaram sentados em caixotes respirando a
    escuridão sob a ponte e ergueram-se para construir
    clavicórdios em seus sótãos,
que tossiram num sexto andar do Harlem coroando de
    chamas sob um céu tuberculoso rodeados pelos
    caixotes de laranja da teologia,
que rabiscaram a noite toda deitando e rolando sobre
    invocações sublimes que ao amanhecer amarelado
    revelaram-se versos de tagarelice sem sentido,
que cozinharam animais apodrecidos, pulmão coração
    pé rabo borsht & tortilhas sonhando com
    o puro reino vegetal,
que se atiraram sob caminhões de carne
    em busca de um ovo,
que jogaram seus relógios do telhado fazendo seu
    lance de aposta pela Eternidade fora do Tempo
    & despertadores caíram em suas cabeças por
    todos os dias da década seguinte,
que cortaram seus pulsos sem resultado três vezes
    seguidas, desistiram e foram obrigados a abrir
    lojas de antiguidades onde acharam que estavam
    ficando velhos e choraram,
que foram queimados vivos em seus inocentes
    ternos de flanela em Madison Avenue no meio das
    rajadas de versos de chumbo & o estrondo contido
    dos batalhões de ferro da moda & os guinchos
    de nitroglicerina das bichas da propaganda &
    o gás mostarda de sinistros editores inteligentes
    ou foram atropelados pelos taxis bêbados
    da Realidade Absoluta,
que se jogaram da ponte de Brooklyn, isso realmente
    aconteceu, e partiram esquecidos e desconhecidos
    para dentro da espectral confusão das ruelas
    de sopa & carros de bombeiros de Chinatown,
    nem uma cerveja de graça,
que cantaram desesperados nas janelas, jogaram-se
    da janela do metrô saltaram no imundo rio
    Paissac, pularam nos braços dos negros, choraram
    pela rua afora, dançaram sobre garrafas
    quebradas de vinho descalços arrebentando
    nostálgicos discos de jazz europeu dos anos 30
    na Alemanha, terminaram o whisky e vomitaram
    gemendo no toalete sangrento, lamentações nos
    ouvidos e o sopro de colossais apitos a vapor,
que mandaram brasa pelas rodovias do passado
    viajando pela solidão da vigília da cadeia de
    Gólgota de carro envenenado de cada um ou então
    a encarnação do Jazz de Birmingham,
que guiaram atravessando o país durante setenta e duas
    horas para saber se eu tinha tido uma visão ou se ele tinha
    tido uma visão para descobrir a Eternidade,
que viajaram para Denver, que morreram em Denver,
    que retornaram a Denver & esperaram em vão,
    que espreitaram Denver & ficaram parados pensando
    & solitários em Denver e finalmente partiram
    para descobrir o Tempo & agora Denver está
    saudosa de seus heróis,
que caíram de joelhos em catedrais sem esperança
    rezando por sua salvação e luz e peito até que a
    alma iluminasse seu cabelo por um segundo,
que se arrebentassem nas suas mentes na prisão
    aguardando impossíveis criminosos de cabeça
    dourada e o encanto da realidade em seus corações
    que entoavam suaves blues de Alcatraz,
que se recolheram ao México para cultivar um
    vício ou às Montanhas Rochosas para o suave
    Buda ou Tânger para os garotos do Pacífico Sul
    para a locomotiva negra ou Havard para Narciso
    para o cemitério de Woodlaw para a coroa
    de flores para o túmulo,
que exigiram exames de sanidade mental acusando
    o rádio de hipnotismo & foram deixados com sua
    loucura & e mãos & um júri suspeito,
que jogaram salada de batata em conferencistas da
    Universidade de Nova Iorque sobre Dadaísmo
    e em seguida se apresentaram nos degraus de
    granito do manicômio com cabeças raspadas e
    fala de arlequim sobre suicídio, exigindo
    lobotomia imediata,
e que em lugar disso receberam o vazio concreto da
    insulina metrazol choque elétrico hidroterapia
    psicoterapia terapia ocupacional pingue-pongue
    & amnésia,
que num protesto sem humor viraram apenas uma
    mesa simbólica de pingue-pongue mergulhando
    logo a seguir na catatonia,
voltando anos depois, realmente calvos exceto por
    uma peruca de sangue e lágrimas e dedos
    para a visível condenação de louco nas celas das
    cidades-manicômio do Leste,
Pilgrim State, Rockland, Greystone, seus corredores
    fétidos, brigando com os ecos da alma, agitando-se
    e rolando e balançando no banco de solidão à
    meia-noite dos domínios de mausoléu
    druídico do amor, o sonho da vida um
    pesadelo, corpos transformados em pedras
    tão pesadas quanto a lua,
com a mãe finalmente ***** e o último livro
    fantástico atirado pela janela do cortiço e a última
    porta fechada às 4 da madrugada e o último
    telefone arremessado contra a parede em
    resposta e o último quarto mobiliado esvaziado até
    a última peça de mobília mental, uma rosa de papel
    amarelo retorcida num cabide de arame do armário
    e até mesmo isso imaginário, nada mais
    que um bocadinho esperançoso de alucinação –
ah, Carl, enquanto você não estiver a salvo eu não
    estarei a salvo e agora você está inteiramente
    mergulhado no caldo animal total do tempo –
e que por isso correram pelas ruas geladas obcecadas
    por um súbito clarão da alquimia do uso da elipse
    do catálogo do metro inviável & do plano vibratório,
que sonharam e abriram brechas encarnadas no
    Tempo & Espaço através de imagens justapostas
    e capturaram o arcanjo da alma entre 2 imagens
    visuais e reuniram os verbos elementares e
    juntaram o substantivo e o choque da consciência
    saltando numa sensação de Pater Omnipotens
    Aeterne Deus,
para recriar a sintaxe e a medida da pobre prosa
    humana e ficaram parados à sua frente, mudos e
    inteligentes e trêmulos de vergonha, rejeitados
    todavia expondo a alma para conformar-se ao
    ritmo do pensamento em sua cabeça nua e infinita,
o vagabundo louco e Beat angelical no Tempo,
    desconhecido mas mesmo assim deixando aqui
    o que houver para ser dito no tempo após a morte,
e se reergueram reencarnados na roupagem
    fantasmagórica do jazz no espectro de trompa
    dourada da banda musical e fizeram soar o
    sofrimento da mente nua da América pelo
    amor num grito de saxofone de eli eli lama lama
    sabactani que fez com que as cidades tremessem
    até seu último rádio,
com o coração absoluto do poema da vida arrancado
    de seus corpos bom para comer por mais mil anos.
II

Que esfinge de cimento e alumínio arrombou seus
   crânios e devorou seus cérebros e imaginação?
Moloch! Solidão! Sujeira! Fealdade! Latas de
   lixo o dólares intangíveis! Crianças berrando
   sob as escadarias! Garotos soluçando nos
   exércitos! Velhos chorando nos parques!
Moloch! Moloch! Pesadelo de Moloch! Moloch o
   mal-amado! Moloch mental! Moloch o pesado
   juiz dos homens!
Moloch a incompreensível prisão! Moloch o
   presídio desalmado de tíbias cruzadas e o Congresso
   dos Sofrimentos! Moloch cujos prédios são
   julgamento! Moloch a vasta pedra da guerra!
   Moloch os governos atônitos!   
Moloch cuja mente é pura maquinaria! Moloch cujo
   sangue é dinheiro corrente! Moloch cujos
   dedos são dez exércitos! Moloch cujo peito é
   um dínamo canibal! Moloch cujo ouvido é
   um túmulo fumegante!
Moloch cujos olhos são mil janelas cegas! Moloch
   cujos arranha-céus jazem ao longo de ruas como
   infinitos Jeovás! Moloch cujas fábricas sonham
   e grasnam na neblina! Moloch cujas colunas de fumaça
   e antenas coroam as cidades!
Moloch cujo amor é interminável óleo e pedra!
   Moloch cuja alma é eletricidade e bancos!
   Moloch cuja pobreza é o espectro do gênio!
   Moloch cujo destino é uma nuvem de hidrogênio
   sem sexo! Moloch cujo nome é a Mente!
Moloch em que permaneço solitário! Moloch em
   que sonho com anjos! Louco em Moloch!
   Chupador de caralhos em Moloch! Mal-amado
   e sem homens em Moloch!
Moloch que penetrou cedo na minha alma! Moloch
   em quem sou uma consciência sem corpo!
   Moloch que me afugentou do meu êxtase natural!
   Moloch a quem abandono! Despertar em Moloch!
   Luz escorrendo do céu!
Moloch! Moloch! Apartamentos de robôs! Subúrbios
   invisíveis! Tesouros de esqueletos! Capitais cegas!
   Indústrias demoníacas! Nações espectrais!
   Invencíveis hospícios! Caralhos de granito!
   Bombas monstruosas!
Eles quebraram suas costas erguendo Moloch ao Céu!
   Calçamento, arvores, rádios, toneladas! Levantando
   a cidade ao Céu que existe e está em todo lugar
   ao nosso redor!
Visões! Profecias! Alucinações! Milagres! Êxtases!
   Descendo pela correnteza do rio americano!
Sonhos! Adorações! Iluminações! Religiões! O
   carregamento todo em bosta sensitiva!
Desabamentos! Sobre o rio! Saltos e crucificações!
    Descendo a correnteza! Ligados! Epifanias!
    Desesperos! Dez anos de gritos animais e suicídios!
   Mentes! Amores novos! Geração louca! Jogados
   nos rochedos do Tempo!
Verdadeiro riso no santo rio! Eles viram tudo! O olhar
   selvagem! Os berros sagrados! Eles deram adeus!
   Pularam do telhado! Rumo à solidão! Acenando! Levando
   flores! Rio abaixo! Rua acima!
III

Carl Solomon! Eu estou com você em Rockland
   onde você está mais louco do que eu
Eu estou com você em Rockland
   onde você deve sentir-se muito estranho
Eu estou com você em Rockland
   onde você imita a sombra da minha mãe
Eu estou com você em Rockland
   onde você assassinou suas doze secretárias
Eu estou com você em Rockland
   onde você ri desse humor invisível
Eu estou com você em Rockland
   onde somos grandes escritores na mesma
   abominável máquina de escrever
Eu estou com você em Rockland
   onde seu estado se tornou muito grave e é
   noticiado pelo rádio
Eu estou com você em Rockland
   onde as faculdades do crânio não agüentam
    mais os vermes dos sentidos
Eu estou com você em Rockland
   onde você bebe o chá dos seios das solteironas
   de Utica
Eu estou com você em Rockland
   onde você bolina os corpos das suas
   enfermeiras as harpias do bronx
Eu estou com você em Rockland
   onde você grita de dentro de uma camisa de
   força que está perdendo o verdadeiro jogo
   de pingue-pongue do abismo
Eu estou com você em Rockland
   onde você martela o piano catatônico a alma
   é inocente e imortal e nunca poderia morrer
   impiamente num hospício armado,
Eu estou com você em Rockland
   onde com mais de cinqüenta eletrochoques
   sua alma nunca mais retornará a seu corpo de
   volta de sua peregrinação rumo a uma cruz
   no vazio
Eu estou com você em Rockland
   onde você acusa seus médicos de loucura e
   prepara a revolução socialista hebraica contra
   o Gólgota nacional e fascista
Eu estou com você em Rockland
   onde você rasga os céus de Long Island e faz
   surgir seu Jesus vivo e humano do túmulo
   sobre-humano
Eu estou com você em Rockland
   onde há mais de vinte e cinco mil camaradas
   loucos todos juntos cantando os versos finais da
   Internacional
Eu estou com você em Rockland
   onde abraçamos e beijamos os Estados Unidos
   sob nossas cobertas Estados Unidos que
   tossem a noite toda e não nos deixam dormir
Eu estou com você em Rockland
   onde despertamos eletrocutados do coma pelos
   nossos próprios aeroplanos da mente roncando
   sobre o telhado eles vieram jogar bombas
   angelicais o hospital ilumina-se paredes imaginárias
   desabam Ó legiões esqueléticas correi para fora
   Ó choque de misericórdia salpicado de estrelas
   a guerra eterna chegou Ó vitória esquece tua roupa
   de baixo estamos livres
Eu estou com você em Rockland
   nos meus sonhos você caminha gotejante de volta
   de uma viagem marítima pela grande rodovia que
   atravessa a América em lágrimas até a porta do
   meu chalé dentro da Noite Ocidental.

sábado, 28 de julho de 2012

UM HOMEM ANDALUZ

Federico García Lorca é, ao lado de Miguel de Cervantes, o escritor espanhol mais conhecido e lido tanto na própria Espanha, como no resto do mundo. Poeta e dramaturgo, de uma obra intensa, marcada por codificações simbólicas: a lua, a morte, a terra, a água, o cavalo, a criança...
Lorca criou um dos mais belos teatros do século XX, introduzindo em suas peças uma linguagem poética singular. Sua insatisfação diante da vida transformava os costumes abordados em sua tragédia. Centro de um grupo de intelectuais que passou para a história como a “Geração de 27”, congregou com os maiores nomes do universo da arte e cultura da Espanha do século passado, entre o solar dos seus amigos estavam: Luís Buñuel, Salvador Dali, Antonio Machado, Manuel Falla e Rafael Alberti.
Federico García Lorca foi um dos primeiros a ser vitimado pela Guerra Civil Espanhola, sendo abatido pelos nacionalistas, grupo liderado pelo general Franco, que uma vez no poder, levaria a Espanha a uma ditadura de quatro décadas. Durante a ditadura franquista, o nome do poeta andaluz foi banido e proibido em todo o país. Numa época de conservadorismo dos costumes católicos na Ibéria, as idéias de Lorca, juntamente com a sua homossexualidade latente, foram decisivas para o seu fuzilamento. Se a conduta de idéias e as assimilações de vida de Lorca bateram no preconceito de uma nação, assassinando o homem, o poeta e o dramaturgo eternizaram o mito. Mesmo calada a sua obra por décadas, ela voltou com os ventos da democracia, formando um grande vendaval que fizeram das palavras dilaceradas à luz da lua, um grito que ecoou por toda a península Ibérica, tornando-se um dos maiores nomes da literatura espanhola.
 Recomendação do amigo e antigo mestre, Fernando de los Rios, Lorca foi aceito na Residência dos Estudantes. 
O local era freqüentado por intelectuais, costumando receber palestrantes famosos, como H. G. Wells, Einstein, Paul Claudel, Bérgson, Paul Éluard, Louise Curie, Stravinsky e Paul Valéry.
Na Residência dos Estudantes, Lorca transforma o seu quarto em ponto de encontro de intelectuais e centro de longas tertúlias. 
É na capital madrilena que conhece Salvador Dali, Rafael Alberti e Luís Buñuel, que futuramente tornar-se-iam a mais fina flor de intelectuais espanhóis.
Do encontro de García Lorca com Salvador Dali surgiria uma grande amizade, movida por uma forte empatia. Se Lorca era um jovem sensível, de uma alma inquieta, Dali, não lhe ficava atrás, era um homem tímido, que se vestia de uma excentricidade perene. Se para Dali nascia uma grande e profunda amizade, para Lorca nascia algo mais, uma profunda paixão, cerceada pelos meandros sociais e pelos códigos morais que só eles ousavam decifrar além.
Se Madrid borbulha intelectualmente, também Lorca explode a sua obra. Estréia a sua primeira peça, “El Malefício de la Mariposa”, um ano depois de estar na capital espanhola. Apesar de ser sucesso de crítica, a peça é um fracasso, fazendo com que o autor volte-se para a poesia. Em 1921 lança “Libro de Poemas”, grande sucesso que o leva a publicar mais poesia. Nos três anos seguintes dedica-se a escrever várias peças e a elaborar outras tantas. Nesta fase descobre uma nova paixão, o desenho, que lhe rouba bastante do seu tempo.
 O ano de 1927 é intenso para García Lorca. É nesta época que ele e o seu grupo de amigos passam a ser conhecidos como a “Geração de 27”. É o ano que estréia com a companhia da atriz Margarita Xirgú, de quem se torna grande amigo. Será para a amiga que Lorca escreverá, futuramente, as maiores personagens da sua obra teatral, como Yerma e Bernarda Alba.
Salvador Dali organizou, em 1927, os desenhos de Lorca, expondo-os nas míticas galerias Dalmau, em Barcelona. Logo a seguir, Lorca publicou aquele que se tornaria o seu livro mais famoso, “El Romancero Gitano”. O sucesso foi absoluto, sendo aplaudido por todos, aclamado o melhor livro na Espanha. Apesar de ser unanimidade, Luis Buñuel e Salvador Dali acharam o livro profundamente ruim.
A opinião desfavorável de Dali, emitida em uma carta que trazia um tom às vezes magoado, transtornara Lorca. Se a sua obra atingia com sucesso a Espanha, por outro lado Salvador Dali afastava-se cada vez mais. Lorca apercebera-se que Dali desenvolvia um interesse latente por Gala, mulher de Paul Éluard. Amargurado com a falta de solidariedade de Dali, Lorca entrou em depressão. Quando questionado, falava que era por problemas sentimentais por conta de uma desilusão amorosa. Por detrás da depressão, a verdade era só uma, o momento de ruptura com Salvador Dali.
 Se o momento era de conquista profissional, as perdas sentimentais eram irreversíveis, e Lorca deixa-se deprimir. É neste período que o antigo amigo e mestre Fernando de los Rios, com viagem marcada para os Estados Unidos, convida-o para acompanhá-lo. Lorca sabe que o momento é de rupturas, de transformações e ebulições interiores. Decide aceitar o convite do amigo e deixa a Espanha, partindo para Nova York.
Acostumado às tertúlias intelectuais de Madrid, aos salões culturais europeus, Lorca vê-se perdido e esmagado em Nova York. Rejeita tenazmente o olhar americano sobre a vida. Não só ele vivia uma depressão, como a própria Nova York explodirá a sua bolsa de valores, levando a recessão econômica para o resto do mundo.
Passada à primeira imagem depreciativa da cidade, e também a depressão por sua ruptura com Salvador Dali, Lorca abraçará Nova York com paixão. Entrará em uma grande fase criativa, escrevendo um ciclo de poemas que será agrupado sob o título de “Poeta em Nova York”, além da peça “Assim que Passarem Cinco Anos”.
Quando regressa à Espanha, Lorca entrega-se a um período de intenso trabalho. Ao lado de Eduardo Ugarte funda a companhia de teatro La Barraca. Encena vários dramaturgos espanhóis, percorrendo em itinerância com a companhia, várias regiões da Espanha. A partir de então, escreverá as peças que se irão compor as suas principais obras. Lorca mescla poesia e teatro em uma linguagem única, transformando a forma de encenação das peças nos palcos espanhóis. Sua dramaturgia é marcada pela obsessiva visão de que o desejo e o sexo são os fios condutores da vida e da morte. Lorca declararia que o público de teatro da época só tinha interesse pelos temas social e sexual, e que optara pelo segundo.
É neste contexto que o autor faz rupturas com o teatro burguês, enquadrando-o no seu misterioso mundo particular, jogando no palco a dolorosa e solitária visão da vida. É no palco que se despede dos amores impossíveis, da tragédia dos sentimentos escondidos em quartos clandestinos de amantes que desafiavam o mundo. Será assim em “Bodas de Sangue”, quando a mulher abandona o marido para seguir o amante, causando-lhes a morte; em “Yerma”, a esterilidade enlouquece a mulher, que termina por matar o marido; ou ainda, “A Casa de Bernarda Alba”, em que a defesa da honra caprichosa impede o avanço dos amores. Nas três tragédias, evidencia-se o autor diante do mundo, preso às impossibilidades sociais diante da sua forma de amar, à esterilidade que a sua homossexualidade o atira, e aos preconceitos que lhe irão, assim como na primeira peça citada, causar-lhe a própria morte.
 O último ano de vida de García Lorca é marcado por um fértil momento criativo e atividade profunda, quer como poeta, quer como dramaturgo. Neste ano estréia “Doña Rosita”, além de elaborar aquela que seria a sua última obra teatral acabada, “A Casa de Bernarda Alba”. A estréia da peça estava marcada para julho de 1936, mas alguns imprevistos causaram atrasos que empurraram a estréia para setembro. Por este motivo, Lorca seguiria para Granada para visitar a família.
Os tempos na Espanha traziam uma grande tempestade sobre a liberdade, atirando-a em uma trágica guerra civil.
Ingenuamente Lorca não acreditou que um conflito pudesse acontecer em seu país. Quando chegou a Granada, encontrou um clima tenso, pois a cidade tinha sido palco de alguns confrontos. Dois dias depois de ter chegado à terra natal, a guerra civil eclodiu.
A situação do poeta era delicada, suas posições políticas eram vistas com repúdio pelos conservadores direitistas, o suficiente para pôr a sua vida em perigo. Dias antes de regressar para Granada, subscrevera, a pedido do Comitê dos Amigos de Portugal, um abaixo-assinado em protesto à ditadura de Salazar. Sua homossexualidade era incômoda para os mais ortodoxos moralistas da época.
Sabendo que corria risco de ser morto, Lorca decide sair da Espanha, seguindo para o México, onde já estava a amiga Margarita Xirgú. Mas ele demora muito em executar o plano de fuga, em parte por ainda acreditar que o conflito talvez não se vá estender por muito tempo, ou por temer que a família sofresse retaliações. Por várias vezes teve a hipótese da fuga. Sejam quais forem os motivos, os questionamentos de Lorca naqueles momentos decisivos, a hesitação e demora em deixar a Espanha custar-lhe-ia a própria vida. Quando se sentiu acossado, Lorca refugiou-se na casa da família do poeta e amigo falangista, Luís Rosales. Estava decidida a sua sorte!
Um vulto negro surgiria na vida de Lorca, o sinistro Ramon Ruiz Alonso. Homem conhecido por ser um fervoroso católico, conservador e fascista, Alonso tinha um ódio natural por Lorca. Destacado para fazer a limpeza dos vermelhos de Granada, ele escreve um auto de denúncia contra Lorca, iniciando a sua caçada. Para Alonso, Lorca era “mais perigoso com a caneta do que outros com revólver”. O algoz inicia uma operação militar de captura a Lorca. As ruas foram fechadas, as casas cercadas e franco-atiradores foram postos nos telhados. Lorca foi preso.
Assustado, Lorca foi informado que Alonso decidira que seria executado. Ao saber do seu destino, Lorca chorou, fazendo um último pedido, que lhe fosse chamado um confessor, pedido que lhe foi negado. Solitário com os símbolos e as palavras que fizera da sua vida o sentido dos homens talhados para os mitos, Lorca passou a última noite de vida na prisão, a rezar, a esperar pela tragédia, vivida no seu próprio palco. Tão logo a lua, companheira eterna da sua obra, em quarto minguante, retirasse-se do céu, restar-lhe-ia a morte como sorte.
Logo pela manhã do dia 19 de agosto de 1936, Federico García Lorca, uma dos ícones da Espanha, foi levado da prisão pelos Nacionalistas do general Franco. Foi posto debaixo de uma oliveira e ali abatido com um tiro na nuca. Já no chão, ainda disse: “Todavia estoy vivo”. Foi quando um dos seus executores deu-lhe um tiro de misericórdia no ânus, porque assim deveria morrer os “maricones”.
Morto aos 38 anos de idade, García Lorca teve o corpo deixado em um ponto de Serra Nevada, em uma vala comum no barranco de Viznar, em Granada. Após o fim do franquismo, durante décadas a família de Lorca impediu que a vala onde o corpo foi deixado fosse aberta e o corpo exumado. Uma resolução do juiz Baltasar Garzón, de 2008, obrigou que a família voltasse atrás na sua decisão. Segundo o juiz, ali estão outros corpos de homens que também foram mortos pela guerra civil, e as famílias desses homens querem prestar-lhes uma homenagem justa e enterrá-los com dignidade cristã, o que era impedido pela recusa da família de Lorca.
O governo ditatorial de Franco tentaria explicar em vão a morte de Lorca diante da Espanha e do mundo. O assunto sempre foi tratado pelos franquistas com ressalvas e apontado como um lamentável acidente de guerra, já que Lorca era apartidário. Segundo os franquistas, o escritor caíra apanhado no turbilhão confuso dos primeiros dias de guerra. Se a morte de Lorca tinha sido um lamentável engano, como afirmavam, a proibição da encenação das suas peças durante o franquismo era uma realidade tenaz. Possuir livros do autor era considerado subversivo, trazendo perigo para quem teimava em ler o poeta andaluz. Mas a voz de Lorca ultrapassou a vala que seu corpo tinha sido atirado, cumprindo a profecia das suas palavras, que dissera anos antes de ser abatido: “Um morto na Espanha está mais vivo como morto que em nenhum outro lugar do mundo”.
Federico García Lorca, assim como as tragédias que escreveu, encerrou a vida dramaticamente, como mártir de uma sangrenta guerra que devastou a liberdade da Espanha. Em Granada ele encontrou a inspiração para a sua obra, a lua da Andaluzia iluminaria o palco das suas palavras. A mesma Andaluzia que lhe serviu de berço e de vala funerária, a mesma Granada que deu à luz e tragou um dos mais valorosos poeta e dramaturgo da literatura universal.
 OBRAS

Poesia:

1921 – Livro de Poemas

1926 – Ode a Salvador Dali
1927 – Canciones (1921-24)
1928 – El Romancero Gitano (1924-27)
1931 – Poema del Cante Jondo
1933 – Ode a Walt Whitman
1935 – Canto a Ignacio Sánchez Mejias
1935 – Seis Poemas Galegos
1936 – Primeiras Canções (1922)
1936 – Sonetos Del Amor Oscuro
1940 – Poeta em Nova York (1929-30) – póstumo
1940 – Divã do Tamarit – póstumo

Prosa:


1918 – Impressões e Passagens

1949 – Desenhos (publicados postumamente em Madrid)
1950 – Carta aos Amigos – póstumo

Teatro:


1920 – El Malefício de la Mariposa

1925 – Mariana Pineda
1928 – Oda al Santíssimo Sacramento Del Altar
1930 – La Zapatera Prodigiosa
1931 – Assim que Passarem Cinco Anos – Lenda do Tempo
1931 – Retábulo de Don Cristóvão
1931 – Amores de Dom Perlimplim e Belisa em seu Jardim
1933 – El Público
1933 – Bodas de Sangue
1934 - Yerma
1935 – Dona Rosita, a Solteira
1936 – A Casa de Bernarda Alba
fonte: http://virtualia.blogs.sapo.pt/31383.html
 Poemas de Garcia Lorca

Volta de Passeio


Assassinado pelo céu,

entre as formas que vão para serpente
e as formas que buscam o cristal,
deixarei crescer os meus cabelos.

Com a árvore de tocos que não canta

e o menino com o branco rosto de ovo.

Com os animaizinhos que a cabeça rota

e a água esfarrapada dos pés secos.

Com tudo o que tem cansaço surdo-mudo

e mariposa afogada no tinteiro.

Tropeçando com meu rosto diferente de cada dia.

Assassinado pelo céu!

Se Minhas Mãos Pudessem Desfolhar


Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber a lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.

E eu me sinto oco

de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,

nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as
estrelas
e mais dolente que a mansa
chuva.

Amar-te-ei como então

alguma vez?
que culpa
tem o coração?

Se na névoa se esfuma,

que outra paixão me espera?
Será tranqüila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!



Romance Sonâmbulo

(trecho)

Verde que te quero verde.

Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.





quinta-feira, 19 de julho de 2012

Frio


Me arraste , 
venha  mornar seu peito no meu, 
o gelo derrete , seremos um só. 
Quando vier  traz-te inteiro, 
cansei de mal metades
e doces tardes amargas. 
ombro a obro, coxa a coxa, 
se precisar vamos deixar os corações nus 
mesmo com a platéia em zombaria.
Se o fim
tenho a herança da fortaleza solidão
mas, não pense assim
deixe-nos ser dois. 
Se tudo apagar, juntos vamos brilhar na total escuridão em um dia que foi apenas luz. 
                                                                                                                   By allan marques

terça-feira, 17 de julho de 2012

O LOUCO - KHALIL GIBRAN

Perguntais-me como me tornei louco.
Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas e corri sem máscara
pelas ruas cheias de gente gritando: __“Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”
Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.
E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: “É um louco!” Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez minha face nua.

Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras.
E, como num transe, gritei: - “Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!”

Assim me tornei louco.

E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: A liberdade da solidão
e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós

terça-feira, 26 de junho de 2012

Salve a Senhora Monte Santo

 Surge dos contrafortes da Mantiqueira

A Mãe,
A Madrasta,
A Puta,
A Linda e Velha Monte santo.
Que pena Mãe ! Solidão.
Tuas verdes matas se foram em busca de ouro e carvão.
As águas cristalinas aos poucos deixam corredio o rastro do resto de tudo.
Os jovens nem se quer se lembram da sua juventude,
Te habitam narcotizados e sem futuro.
Aqueles que defloraram sua terra e seu passado, dormem escandalosamente em placas de suas mal traçadas ruas.
Porém,  nunca perca a esperança.
Se te maltrataram e ainda maltratam,
não nos odeie não, o mal sempre será mau.
Seus fortes filhos  vingarão na triste explanada o que foste um dia.
Parabéns pela sua idade, pelos seus vales, montes e cachoeiras.
te digo no ouvido, no fundo no fundo eu te gosto muito.

domingo, 3 de junho de 2012

FAMILIA (Trecho do livro "O arroz de palma" de Francisco Azevedo.)


"Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir
todos é um problema...
...Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível.
Às vezes, dá até vontade de desistir...
...Mas a vida sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir
o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares.
Súbito, feito milagre, a família está servida.
Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o
mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou,
endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto,
abundante. Aquele, o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais
apaixonada. A outra, a mais consistente...
...Já estão aí? Todos? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a
tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também
estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar. Família é
prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de
tristeza.
Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco.
Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm
da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família
muito mais colorida, interessante e saborosa.
Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou
daquilo e, pronto: é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente
sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é
preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide
meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte.
Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só
porque meteu a colher na hora errada.
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família
perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe Família à Oswaldo Aranha; Família
à Rossini, Família à Belle Manière; Família ao Molho Pardo (em que o sangue
é fundamental para o preparo da iguaria). Família é afinidade, é à Moda da
Casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.
Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há
também as que não têm gosto de nada, seria assim um tipo de Família Dieta,
que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que
deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é
insuportável, impossível de se engolir.
Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai
aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia.
A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que
ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente
na cabeça de um velho já meio caduco como eu.
O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça,
por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e
comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão
naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.
Aproveite ao máximo.
Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete."