terça-feira, 26 de junho de 2012

Salve a Senhora Monte Santo

 Surge dos contrafortes da Mantiqueira

A Mãe,
A Madrasta,
A Puta,
A Linda e Velha Monte santo.
Que pena Mãe ! Solidão.
Tuas verdes matas se foram em busca de ouro e carvão.
As águas cristalinas aos poucos deixam corredio o rastro do resto de tudo.
Os jovens nem se quer se lembram da sua juventude,
Te habitam narcotizados e sem futuro.
Aqueles que defloraram sua terra e seu passado, dormem escandalosamente em placas de suas mal traçadas ruas.
Porém,  nunca perca a esperança.
Se te maltrataram e ainda maltratam,
não nos odeie não, o mal sempre será mau.
Seus fortes filhos  vingarão na triste explanada o que foste um dia.
Parabéns pela sua idade, pelos seus vales, montes e cachoeiras.
te digo no ouvido, no fundo no fundo eu te gosto muito.

domingo, 3 de junho de 2012

FAMILIA (Trecho do livro "O arroz de palma" de Francisco Azevedo.)


"Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir
todos é um problema...
...Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível.
Às vezes, dá até vontade de desistir...
...Mas a vida sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir
o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares.
Súbito, feito milagre, a família está servida.
Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o
mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou,
endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto,
abundante. Aquele, o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais
apaixonada. A outra, a mais consistente...
...Já estão aí? Todos? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a
tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também
estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar. Família é
prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de
tristeza.
Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco.
Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm
da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família
muito mais colorida, interessante e saborosa.
Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou
daquilo e, pronto: é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente
sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é
preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide
meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte.
Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só
porque meteu a colher na hora errada.
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família
perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe Família à Oswaldo Aranha; Família
à Rossini, Família à Belle Manière; Família ao Molho Pardo (em que o sangue
é fundamental para o preparo da iguaria). Família é afinidade, é à Moda da
Casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.
Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há
também as que não têm gosto de nada, seria assim um tipo de Família Dieta,
que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que
deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é
insuportável, impossível de se engolir.
Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai
aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia.
A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que
ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente
na cabeça de um velho já meio caduco como eu.
O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça,
por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e
comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão
naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.
Aproveite ao máximo.
Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete."