sábado, 28 de julho de 2012

UM HOMEM ANDALUZ

Federico García Lorca é, ao lado de Miguel de Cervantes, o escritor espanhol mais conhecido e lido tanto na própria Espanha, como no resto do mundo. Poeta e dramaturgo, de uma obra intensa, marcada por codificações simbólicas: a lua, a morte, a terra, a água, o cavalo, a criança...
Lorca criou um dos mais belos teatros do século XX, introduzindo em suas peças uma linguagem poética singular. Sua insatisfação diante da vida transformava os costumes abordados em sua tragédia. Centro de um grupo de intelectuais que passou para a história como a “Geração de 27”, congregou com os maiores nomes do universo da arte e cultura da Espanha do século passado, entre o solar dos seus amigos estavam: Luís Buñuel, Salvador Dali, Antonio Machado, Manuel Falla e Rafael Alberti.
Federico García Lorca foi um dos primeiros a ser vitimado pela Guerra Civil Espanhola, sendo abatido pelos nacionalistas, grupo liderado pelo general Franco, que uma vez no poder, levaria a Espanha a uma ditadura de quatro décadas. Durante a ditadura franquista, o nome do poeta andaluz foi banido e proibido em todo o país. Numa época de conservadorismo dos costumes católicos na Ibéria, as idéias de Lorca, juntamente com a sua homossexualidade latente, foram decisivas para o seu fuzilamento. Se a conduta de idéias e as assimilações de vida de Lorca bateram no preconceito de uma nação, assassinando o homem, o poeta e o dramaturgo eternizaram o mito. Mesmo calada a sua obra por décadas, ela voltou com os ventos da democracia, formando um grande vendaval que fizeram das palavras dilaceradas à luz da lua, um grito que ecoou por toda a península Ibérica, tornando-se um dos maiores nomes da literatura espanhola.
 Recomendação do amigo e antigo mestre, Fernando de los Rios, Lorca foi aceito na Residência dos Estudantes. 
O local era freqüentado por intelectuais, costumando receber palestrantes famosos, como H. G. Wells, Einstein, Paul Claudel, Bérgson, Paul Éluard, Louise Curie, Stravinsky e Paul Valéry.
Na Residência dos Estudantes, Lorca transforma o seu quarto em ponto de encontro de intelectuais e centro de longas tertúlias. 
É na capital madrilena que conhece Salvador Dali, Rafael Alberti e Luís Buñuel, que futuramente tornar-se-iam a mais fina flor de intelectuais espanhóis.
Do encontro de García Lorca com Salvador Dali surgiria uma grande amizade, movida por uma forte empatia. Se Lorca era um jovem sensível, de uma alma inquieta, Dali, não lhe ficava atrás, era um homem tímido, que se vestia de uma excentricidade perene. Se para Dali nascia uma grande e profunda amizade, para Lorca nascia algo mais, uma profunda paixão, cerceada pelos meandros sociais e pelos códigos morais que só eles ousavam decifrar além.
Se Madrid borbulha intelectualmente, também Lorca explode a sua obra. Estréia a sua primeira peça, “El Malefício de la Mariposa”, um ano depois de estar na capital espanhola. Apesar de ser sucesso de crítica, a peça é um fracasso, fazendo com que o autor volte-se para a poesia. Em 1921 lança “Libro de Poemas”, grande sucesso que o leva a publicar mais poesia. Nos três anos seguintes dedica-se a escrever várias peças e a elaborar outras tantas. Nesta fase descobre uma nova paixão, o desenho, que lhe rouba bastante do seu tempo.
 O ano de 1927 é intenso para García Lorca. É nesta época que ele e o seu grupo de amigos passam a ser conhecidos como a “Geração de 27”. É o ano que estréia com a companhia da atriz Margarita Xirgú, de quem se torna grande amigo. Será para a amiga que Lorca escreverá, futuramente, as maiores personagens da sua obra teatral, como Yerma e Bernarda Alba.
Salvador Dali organizou, em 1927, os desenhos de Lorca, expondo-os nas míticas galerias Dalmau, em Barcelona. Logo a seguir, Lorca publicou aquele que se tornaria o seu livro mais famoso, “El Romancero Gitano”. O sucesso foi absoluto, sendo aplaudido por todos, aclamado o melhor livro na Espanha. Apesar de ser unanimidade, Luis Buñuel e Salvador Dali acharam o livro profundamente ruim.
A opinião desfavorável de Dali, emitida em uma carta que trazia um tom às vezes magoado, transtornara Lorca. Se a sua obra atingia com sucesso a Espanha, por outro lado Salvador Dali afastava-se cada vez mais. Lorca apercebera-se que Dali desenvolvia um interesse latente por Gala, mulher de Paul Éluard. Amargurado com a falta de solidariedade de Dali, Lorca entrou em depressão. Quando questionado, falava que era por problemas sentimentais por conta de uma desilusão amorosa. Por detrás da depressão, a verdade era só uma, o momento de ruptura com Salvador Dali.
 Se o momento era de conquista profissional, as perdas sentimentais eram irreversíveis, e Lorca deixa-se deprimir. É neste período que o antigo amigo e mestre Fernando de los Rios, com viagem marcada para os Estados Unidos, convida-o para acompanhá-lo. Lorca sabe que o momento é de rupturas, de transformações e ebulições interiores. Decide aceitar o convite do amigo e deixa a Espanha, partindo para Nova York.
Acostumado às tertúlias intelectuais de Madrid, aos salões culturais europeus, Lorca vê-se perdido e esmagado em Nova York. Rejeita tenazmente o olhar americano sobre a vida. Não só ele vivia uma depressão, como a própria Nova York explodirá a sua bolsa de valores, levando a recessão econômica para o resto do mundo.
Passada à primeira imagem depreciativa da cidade, e também a depressão por sua ruptura com Salvador Dali, Lorca abraçará Nova York com paixão. Entrará em uma grande fase criativa, escrevendo um ciclo de poemas que será agrupado sob o título de “Poeta em Nova York”, além da peça “Assim que Passarem Cinco Anos”.
Quando regressa à Espanha, Lorca entrega-se a um período de intenso trabalho. Ao lado de Eduardo Ugarte funda a companhia de teatro La Barraca. Encena vários dramaturgos espanhóis, percorrendo em itinerância com a companhia, várias regiões da Espanha. A partir de então, escreverá as peças que se irão compor as suas principais obras. Lorca mescla poesia e teatro em uma linguagem única, transformando a forma de encenação das peças nos palcos espanhóis. Sua dramaturgia é marcada pela obsessiva visão de que o desejo e o sexo são os fios condutores da vida e da morte. Lorca declararia que o público de teatro da época só tinha interesse pelos temas social e sexual, e que optara pelo segundo.
É neste contexto que o autor faz rupturas com o teatro burguês, enquadrando-o no seu misterioso mundo particular, jogando no palco a dolorosa e solitária visão da vida. É no palco que se despede dos amores impossíveis, da tragédia dos sentimentos escondidos em quartos clandestinos de amantes que desafiavam o mundo. Será assim em “Bodas de Sangue”, quando a mulher abandona o marido para seguir o amante, causando-lhes a morte; em “Yerma”, a esterilidade enlouquece a mulher, que termina por matar o marido; ou ainda, “A Casa de Bernarda Alba”, em que a defesa da honra caprichosa impede o avanço dos amores. Nas três tragédias, evidencia-se o autor diante do mundo, preso às impossibilidades sociais diante da sua forma de amar, à esterilidade que a sua homossexualidade o atira, e aos preconceitos que lhe irão, assim como na primeira peça citada, causar-lhe a própria morte.
 O último ano de vida de García Lorca é marcado por um fértil momento criativo e atividade profunda, quer como poeta, quer como dramaturgo. Neste ano estréia “Doña Rosita”, além de elaborar aquela que seria a sua última obra teatral acabada, “A Casa de Bernarda Alba”. A estréia da peça estava marcada para julho de 1936, mas alguns imprevistos causaram atrasos que empurraram a estréia para setembro. Por este motivo, Lorca seguiria para Granada para visitar a família.
Os tempos na Espanha traziam uma grande tempestade sobre a liberdade, atirando-a em uma trágica guerra civil.
Ingenuamente Lorca não acreditou que um conflito pudesse acontecer em seu país. Quando chegou a Granada, encontrou um clima tenso, pois a cidade tinha sido palco de alguns confrontos. Dois dias depois de ter chegado à terra natal, a guerra civil eclodiu.
A situação do poeta era delicada, suas posições políticas eram vistas com repúdio pelos conservadores direitistas, o suficiente para pôr a sua vida em perigo. Dias antes de regressar para Granada, subscrevera, a pedido do Comitê dos Amigos de Portugal, um abaixo-assinado em protesto à ditadura de Salazar. Sua homossexualidade era incômoda para os mais ortodoxos moralistas da época.
Sabendo que corria risco de ser morto, Lorca decide sair da Espanha, seguindo para o México, onde já estava a amiga Margarita Xirgú. Mas ele demora muito em executar o plano de fuga, em parte por ainda acreditar que o conflito talvez não se vá estender por muito tempo, ou por temer que a família sofresse retaliações. Por várias vezes teve a hipótese da fuga. Sejam quais forem os motivos, os questionamentos de Lorca naqueles momentos decisivos, a hesitação e demora em deixar a Espanha custar-lhe-ia a própria vida. Quando se sentiu acossado, Lorca refugiou-se na casa da família do poeta e amigo falangista, Luís Rosales. Estava decidida a sua sorte!
Um vulto negro surgiria na vida de Lorca, o sinistro Ramon Ruiz Alonso. Homem conhecido por ser um fervoroso católico, conservador e fascista, Alonso tinha um ódio natural por Lorca. Destacado para fazer a limpeza dos vermelhos de Granada, ele escreve um auto de denúncia contra Lorca, iniciando a sua caçada. Para Alonso, Lorca era “mais perigoso com a caneta do que outros com revólver”. O algoz inicia uma operação militar de captura a Lorca. As ruas foram fechadas, as casas cercadas e franco-atiradores foram postos nos telhados. Lorca foi preso.
Assustado, Lorca foi informado que Alonso decidira que seria executado. Ao saber do seu destino, Lorca chorou, fazendo um último pedido, que lhe fosse chamado um confessor, pedido que lhe foi negado. Solitário com os símbolos e as palavras que fizera da sua vida o sentido dos homens talhados para os mitos, Lorca passou a última noite de vida na prisão, a rezar, a esperar pela tragédia, vivida no seu próprio palco. Tão logo a lua, companheira eterna da sua obra, em quarto minguante, retirasse-se do céu, restar-lhe-ia a morte como sorte.
Logo pela manhã do dia 19 de agosto de 1936, Federico García Lorca, uma dos ícones da Espanha, foi levado da prisão pelos Nacionalistas do general Franco. Foi posto debaixo de uma oliveira e ali abatido com um tiro na nuca. Já no chão, ainda disse: “Todavia estoy vivo”. Foi quando um dos seus executores deu-lhe um tiro de misericórdia no ânus, porque assim deveria morrer os “maricones”.
Morto aos 38 anos de idade, García Lorca teve o corpo deixado em um ponto de Serra Nevada, em uma vala comum no barranco de Viznar, em Granada. Após o fim do franquismo, durante décadas a família de Lorca impediu que a vala onde o corpo foi deixado fosse aberta e o corpo exumado. Uma resolução do juiz Baltasar Garzón, de 2008, obrigou que a família voltasse atrás na sua decisão. Segundo o juiz, ali estão outros corpos de homens que também foram mortos pela guerra civil, e as famílias desses homens querem prestar-lhes uma homenagem justa e enterrá-los com dignidade cristã, o que era impedido pela recusa da família de Lorca.
O governo ditatorial de Franco tentaria explicar em vão a morte de Lorca diante da Espanha e do mundo. O assunto sempre foi tratado pelos franquistas com ressalvas e apontado como um lamentável acidente de guerra, já que Lorca era apartidário. Segundo os franquistas, o escritor caíra apanhado no turbilhão confuso dos primeiros dias de guerra. Se a morte de Lorca tinha sido um lamentável engano, como afirmavam, a proibição da encenação das suas peças durante o franquismo era uma realidade tenaz. Possuir livros do autor era considerado subversivo, trazendo perigo para quem teimava em ler o poeta andaluz. Mas a voz de Lorca ultrapassou a vala que seu corpo tinha sido atirado, cumprindo a profecia das suas palavras, que dissera anos antes de ser abatido: “Um morto na Espanha está mais vivo como morto que em nenhum outro lugar do mundo”.
Federico García Lorca, assim como as tragédias que escreveu, encerrou a vida dramaticamente, como mártir de uma sangrenta guerra que devastou a liberdade da Espanha. Em Granada ele encontrou a inspiração para a sua obra, a lua da Andaluzia iluminaria o palco das suas palavras. A mesma Andaluzia que lhe serviu de berço e de vala funerária, a mesma Granada que deu à luz e tragou um dos mais valorosos poeta e dramaturgo da literatura universal.
 OBRAS

Poesia:

1921 – Livro de Poemas

1926 – Ode a Salvador Dali
1927 – Canciones (1921-24)
1928 – El Romancero Gitano (1924-27)
1931 – Poema del Cante Jondo
1933 – Ode a Walt Whitman
1935 – Canto a Ignacio Sánchez Mejias
1935 – Seis Poemas Galegos
1936 – Primeiras Canções (1922)
1936 – Sonetos Del Amor Oscuro
1940 – Poeta em Nova York (1929-30) – póstumo
1940 – Divã do Tamarit – póstumo

Prosa:


1918 – Impressões e Passagens

1949 – Desenhos (publicados postumamente em Madrid)
1950 – Carta aos Amigos – póstumo

Teatro:


1920 – El Malefício de la Mariposa

1925 – Mariana Pineda
1928 – Oda al Santíssimo Sacramento Del Altar
1930 – La Zapatera Prodigiosa
1931 – Assim que Passarem Cinco Anos – Lenda do Tempo
1931 – Retábulo de Don Cristóvão
1931 – Amores de Dom Perlimplim e Belisa em seu Jardim
1933 – El Público
1933 – Bodas de Sangue
1934 - Yerma
1935 – Dona Rosita, a Solteira
1936 – A Casa de Bernarda Alba
fonte: http://virtualia.blogs.sapo.pt/31383.html
 Poemas de Garcia Lorca

Volta de Passeio


Assassinado pelo céu,

entre as formas que vão para serpente
e as formas que buscam o cristal,
deixarei crescer os meus cabelos.

Com a árvore de tocos que não canta

e o menino com o branco rosto de ovo.

Com os animaizinhos que a cabeça rota

e a água esfarrapada dos pés secos.

Com tudo o que tem cansaço surdo-mudo

e mariposa afogada no tinteiro.

Tropeçando com meu rosto diferente de cada dia.

Assassinado pelo céu!

Se Minhas Mãos Pudessem Desfolhar


Eu pronuncio teu nome
nas noites escuras,
quando vêm os astros
beber a lua
e dormem nas ramagens
das frondes ocultas.

E eu me sinto oco

de paixão e de música.
Louco relógio que canta
mortas horas antigas.

Eu pronuncio teu nome,

nesta noite escura,
e teu nome me soa
mais distante que nunca.
Mais distante que todas as
estrelas
e mais dolente que a mansa
chuva.

Amar-te-ei como então

alguma vez?
que culpa
tem o coração?

Se na névoa se esfuma,

que outra paixão me espera?
Será tranqüila e pura?
Se meus dedos pudessem
desfolhar a lua!



Romance Sonâmbulo

(trecho)

Verde que te quero verde.

Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.





quinta-feira, 19 de julho de 2012

Frio


Me arraste , 
venha  mornar seu peito no meu, 
o gelo derrete , seremos um só. 
Quando vier  traz-te inteiro, 
cansei de mal metades
e doces tardes amargas. 
ombro a obro, coxa a coxa, 
se precisar vamos deixar os corações nus 
mesmo com a platéia em zombaria.
Se o fim
tenho a herança da fortaleza solidão
mas, não pense assim
deixe-nos ser dois. 
Se tudo apagar, juntos vamos brilhar na total escuridão em um dia que foi apenas luz. 
                                                                                                                   By allan marques

terça-feira, 17 de julho de 2012

O LOUCO - KHALIL GIBRAN

Perguntais-me como me tornei louco.
Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas e corri sem máscara
pelas ruas cheias de gente gritando: __“Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”
Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.
E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: “É um louco!” Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez minha face nua.

Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras.
E, como num transe, gritei: - “Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!”

Assim me tornei louco.

E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: A liberdade da solidão
e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós