Chico do mato viveu no século passado, lá no canto das Minas Gerais, criatura polêmica, era admirado por uns e odiado por outros. Chico adorava comer carne de porco, nunca de boi, dizia que o boi era de Deus, morava com a mulher no bairro das Perobas, lugar distante da cidade e onde o progresso ainda não havia chegado, fora o trabalho o que mais gostava de fazer era ouvir sua vitrola. Eles não tinham filhos, diziam que Maria era maninha e não podia criar. Nos domingos lavava o pé com sabão de cinza, cortava as unhas e navalhava as barbas e o bigode, colocava água de cheiro, ia até o armário da cozinha, pegava de traz da panela de ferro de três pés o litro da cachaça de salinas, coisa preciosa que tinha ganhado de um antigo patrão. Tomava duas boas talagadas e guardava a preciosidade, colocava o disco bolachão do Cascatinha e Inhana e começava a sonhar. Sonhava com dias de chuva, de lavoura verde, pés carregados de café e o pasto cheio de gado. Só acordava quando a mulher o cutucava para o almoço. Em uma segunda-feira, era verão de 67, Chico acordou de mau jeito, 5 horas da manhã e o galo não havia cantado, pulou da cama de palha e foi lavar o rosto na bica do terreiro, passou pela cozinha, o fogão a lenha estava apagado, em 23 anos de casado nunca tinha acontecido tal pirraça, procurou pela mulher por 7 dias e 7 noites, percorreu toda redondeza, ninguém tinha visto nem rasto. A desgraçada havia levado todas as galinhas, dois porcos castrados, o cavalo e a égua, três garrotes e o que tinha de mantimentos, só ficou o cachorro vital. Chico ficou desolado, não entendia o feito, Maria era mulher de respeito, nunca queria ir à cidade, era devota de São Benedito, nunca falava alto. Aquilo só podia ser coisa do diabo. Foram anos difíceis, sem a mulher para ajudar na lida, parecia que a diaba tinha levado toda a sorte, teve chuva de vento e geada, as vacas que sobraram não pariram, até a queimada do vizinho entrou pelas terras lambendo quase todo o cafezal. Chico nunca mais foi à cidade, vivia apenas com a companhia do cachorro vital, tinha vergonha de olhar nas pessoas, não vendia nem comprava nada. Foi num dia de domingo santo que o compadre Bernardino entrou na cozinha de Chico, bateu nas suas costelas magras e disse “Chico, eu sei onde a Maria está”. O sofrido homem foi achar a mulher a três cidades adiante, ela trabalhava de lavadeira em um bordel e tinha um amigado preto de nome Benedito. Só depois de ter enfiado a faca no cabra até o cabo, lembrou que era o vendedor de santo que passava na roça. Maria ficou amarrada vendo o Chico matar o preto, de um só golpe cortou o pescoço da mulher. Chico foi preso dois dias depois, sentado na cadeira de sua cozinha, ainda sujo de sangue. O cachorro vital acompanhou seu dono ate a cadeia e lá na porta ficou ate sair seu caixão. Contam que até hoje a meninada da escola, leva a sobra da merenda para um velho cão, de nome vital, no portão do cemitério de uma pequena cidade das Minas Gerais.
domingo, 14 de dezembro de 2008
apenas um causo
Chico do mato viveu no século passado, lá no canto das Minas Gerais, criatura polêmica, era admirado por uns e odiado por outros. Chico adorava comer carne de porco, nunca de boi, dizia que o boi era de Deus, morava com a mulher no bairro das Perobas, lugar distante da cidade e onde o progresso ainda não havia chegado, fora o trabalho o que mais gostava de fazer era ouvir sua vitrola. Eles não tinham filhos, diziam que Maria era maninha e não podia criar. Nos domingos lavava o pé com sabão de cinza, cortava as unhas e navalhava as barbas e o bigode, colocava água de cheiro, ia até o armário da cozinha, pegava de traz da panela de ferro de três pés o litro da cachaça de salinas, coisa preciosa que tinha ganhado de um antigo patrão. Tomava duas boas talagadas e guardava a preciosidade, colocava o disco bolachão do Cascatinha e Inhana e começava a sonhar. Sonhava com dias de chuva, de lavoura verde, pés carregados de café e o pasto cheio de gado. Só acordava quando a mulher o cutucava para o almoço. Em uma segunda-feira, era verão de 67, Chico acordou de mau jeito, 5 horas da manhã e o galo não havia cantado, pulou da cama de palha e foi lavar o rosto na bica do terreiro, passou pela cozinha, o fogão a lenha estava apagado, em 23 anos de casado nunca tinha acontecido tal pirraça, procurou pela mulher por 7 dias e 7 noites, percorreu toda redondeza, ninguém tinha visto nem rasto. A desgraçada havia levado todas as galinhas, dois porcos castrados, o cavalo e a égua, três garrotes e o que tinha de mantimentos, só ficou o cachorro vital. Chico ficou desolado, não entendia o feito, Maria era mulher de respeito, nunca queria ir à cidade, era devota de São Benedito, nunca falava alto. Aquilo só podia ser coisa do diabo. Foram anos difíceis, sem a mulher para ajudar na lida, parecia que a diaba tinha levado toda a sorte, teve chuva de vento e geada, as vacas que sobraram não pariram, até a queimada do vizinho entrou pelas terras lambendo quase todo o cafezal. Chico nunca mais foi à cidade, vivia apenas com a companhia do cachorro vital, tinha vergonha de olhar nas pessoas, não vendia nem comprava nada. Foi num dia de domingo santo que o compadre Bernardino entrou na cozinha de Chico, bateu nas suas costelas magras e disse “Chico, eu sei onde a Maria está”. O sofrido homem foi achar a mulher a três cidades adiante, ela trabalhava de lavadeira em um bordel e tinha um amigado preto de nome Benedito. Só depois de ter enfiado a faca no cabra até o cabo, lembrou que era o vendedor de santo que passava na roça. Maria ficou amarrada vendo o Chico matar o preto, de um só golpe cortou o pescoço da mulher. Chico foi preso dois dias depois, sentado na cadeira de sua cozinha, ainda sujo de sangue. O cachorro vital acompanhou seu dono ate a cadeia e lá na porta ficou ate sair seu caixão. Contam que até hoje a meninada da escola, leva a sobra da merenda para um velho cão, de nome vital, no portão do cemitério de uma pequena cidade das Minas Gerais.
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