o medo salta aos olhos febris
eles se aproximam
ele via agora
um barulho seco rompe a madrugada molhada,
gargalhadas e porretes somam a cor vermelha da calçada.
a dor lancinante.
Solidão
A manhã desponta, consciência
alucinada pelo ato profícuo do amanhã.
Nada mudou.
O anão que pesava no peito, carbonado agora,
alimenta-se da luz como se fosse o gelo da noite.
Preciso de ar.
Noite e dia completam o ciclo,
Puta que pariu que solidão.
Preciso de ar.
Inalo a dor.
Fumo um cigarro.
Mentiras (09/10/07)
A dor é a esperança de ser, de sentir e não ter sido.
Ledo engano ...
O que possa ter levado a crer.
Estarei pronto até a metade do fim.
Autopsicografia
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Fernando Pessoa
Carlos Drummond de Andrade
Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.