Perfeição - por André Pinheiro
perfeição
jogo fora tudo que é perfeito. padrozinado, limpo, reto.
moralmente abençoado, benquisto, sacramentado.
fodam-se as regras do governo.
renuncio ao bem-aceito e aproveito para
convidar: vamos celebrar o imperfeito!
sou o fruto podre, a rima pobre, a grana pouca.
comigo carrego a inexatidão da miopia, o mais
impróprio improviso, a falha na percepção. o golpe
brutal, o dobrar das pernas, o inexorável tombo
e o beijo na lona. a boca seca, a tontura da ressaca,
o desencanto de um pênalti perdido. a merda no calçado,
o tropeção. o xeque-mate me persegue. sou
o eterno vice-campeão, participante desolado da segunda divisão.
sou profeta do caos, amante do erro, padroeiro
do infortúnio. repudio a precisão, digo não a todas
as virtudes. faço-me ouvir na nota errada
do músico amador; na voz estridente do cantor
desafinado. sou o palavrão, o mau-cheiro, o antibelo.
desilusão, desdita. o beijo negado, o amor
não-correspondido; a pele escura, a celulite, a cicatriz,
a flacidez. a palavra mal-escrita, o erro na pontuação.
a fala fanha, a calvície, o aleijão.
vagabundo, anti-herói, anjo torto, cicerone
do inferno. palhaço, matuto. andarilho coxo, malabarista
trêmulo. não tenho pátria, língua, religião. nada
me pertence, nada me conduz, nem me consola.
sou a amnésia, avesso da história. destruição.
do mundo sou a escória. caminho de mãos dadas
com o vício, a falência, a perversão. no bolso esquerdo
levo pragas, tempestades. pesadelos, viração.
mensageiro da incerteza e do fracasso,
exerço a minha fúria no parar de um coração.
não é muito bom estar aqui. sinto-me desonrado
com a vossa companhia.
muito desprazer, pode me chamar Imperfeição.
Achei o poema muito bom e pedi ao andré pinheiro para publica-lo. Obrigado André.
do bolg http://vivaverve.wordpress.com/
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