terça-feira, 30 de novembro de 2010

Experiências maravilhosas 3



SC entra na minha sala, eu estava ouvindo Bach (no computador), ela senta, olha para fontinha de água (com formato de sol), que sempre fica ligada na minha mesa, fecha os olhos e descansa as costas no sofá –“Eu adoro a água do sol, ela refresca minha cabeça e até ouço música do céu, e como se estivesse me banhando e sonhando”, você tem os mesmos gostos que eu, também sou erudita.”

SC é portadora de esquizofrenia e semi-analfabeta.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Insano?

Se tivesse que definir SLN em poucas palavras seria “Responsabilidade, solidariedade”, “Gentileza e compaixão”, ele auto identifica-se a todo o momento, relata seu nome, idade e enumera seus entes queridos, como se isso fosse trazê-los para perto. Muitos daqueles que no passado negligenciaram na sua relação de amor.

O fato de ele dizer seu nome repetidas vezes resgata a memória de diversas internações que provocaram a sua mortificação mental, a despersonalização, a perda da sua identidade em uma nuvem de uniformes brancos e vaporosos, é como se tivesse medo de desaparecer no caos na miséria humana a que vivenciou.

A lembrança de seus entes queridos incansavelmente exercitada até a exaustão faz com que ele não os perca na memória. Memória esta  enevoada por dezoito comprimidos diários. Ou a compensação da carência na memória visual.

Doou seu próprio rim para salvar personalidade política e carismática da comunidade;



Não aceita nada que não possa ter utilidade para sua sobrevivência;

É autor diário de gentilezas no tratamento com as pessoas do seu convívio;

Torna-se extremamente preocupado em pagar o que deve, não comprando nada alem da quantia que recebe do benefício mensal, ou da pensão que sistematicamente tem que pagar para filha.

Todos que o conhecem de longa data dizem; “A sua insanidade fui fruto da  gravidez da noiva, nunca mais voltou a realidade”, O que teria levado SLN a se tornar insano? – Seria a possibilidade de possuir algo pelo resto da vida, ou o medo de se ver retratado naquele ser em formação.

Insanidade?

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Experências Lindas 2



OBS: são experiências com pacientes portadores de sofrimento mental durante tratamento no Centro de Atenção Psicossocial de Monte Sto. de Minas

Sou SLN nasci em Monte S. de Minas

Tenho 37 anos

Meu Pai é LMN

Minha filha é M

Sou aposentado

Pago pensão

5 min. Depois

Sou SL nasci em Monte S. de Minas

Tenho 37 anos

Meu Pai é LMN

Minha filha é M

Sou aposentado

Pago pensão

10 min. Depois

Sou SL nasci em Monte S. de Minas

Tenho 37 anos

Meu Pai é LMN

Minha filha é M

Sou aposentado

Pago pensão

15min. Depois

Quem eu sou mesmo?

sábado, 20 de novembro de 2010

Tricotilomania



Obs. Tricotilomania (mania de arrancar cabelos)

Depoimento da paciente “D” em novembro/2010

 

“Sempre fui uma filha desprezada, minha mãe tem o temperamento muito forte e dominador, aos 17 anos já tinha minha filha, aos 18 meu filho e assim casei com o pai das crianças.

... meu marido é alcoólatra, me maltrata (mostra cicatrizes nos braços).

Há 2 anos atrás, tentei ficar com outra pessoa, foi uma tentativa, não deu certo, voltei para casa de meus pais, grávida, meu ódio era muito grande e não consegui levar a gravidez para frente. Foi um período que não gosto de lembrar... (chora).

Voltei com meu marido e desde então ele joga na minha cara, humilha e machuca. Daí surgiu o hábito de arrancar meu cabelo, (mostra a região do couro cabeludo com boa parte sem pelos). Tenho vergonha de estar assim, então agora arranco os pelos pubianos, assim ninguém nota.

Para que eu possa sentir felicidade ele precisaria parar de beber (levanta os olhos e fica pensativa).

A vida é cheia de maldades, e não tem sido boa comigo. Tentei suicídio por quatro vezes, três vezes tomei muitos comprimidos e a terceira tente me enforcar. Nem para isso eu sirvo.

Sou gorda e meu marido não me quer mais. Tento suportar os dias e noites que respiro... (não quero falar mais).

 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Experiências lindas

[caption id="attachment_455" align="aligncenter" width="300" caption="Escultura de Jason Decaires Taylor - Museu submarino "][/caption]

Como dizia (John Dryden) "Há na loucura um prazer que só os loucos conhecem."

OBS: são exepriências com pacientes portadores de sofrimento mental durante tratamento no Centro de Atenção Psicossocial de Monte Sto. de Minas


No meio de um dia pesado de trabalho chega “M”1 na minha sala retira um embrulho do bolso “tome um sonho de valsa,  faz sonhar e sonhar é tudo que resta” 1- ("M" é paciente do CAPS Rosalino, João de Paixão de Monte Santo há 2 anos.)

“J” 2 chega até mim, e diz quero desabafar – “Vim de São Paulo, morava no Morumbi com meus filhos, a convite de um casal mudei para cá, trouxe um diário que contém informações que podem acabar com todos desta cidade, resolvi te poupar porque você trabalha muito e precisamos de você.” 2- ("J" é paciente do CAPS Rosalino, João de Paixão de Monte Santo há 2 anos.)

Perguntei a “JR”3: Você trabalhava, estudava, estava noivo, quando começou a sentir algo diferente em sua vida que o trouxe até aqui? “Foi quando tive uma doença no olho, acho que era infecção, o médico receitou um colírio, conforme eu ia pingando o líquido ele puxava meu cérebro para dentro do vidro. Hoje não tenho nada dentro da cabeça sou oco. Mas tudo isso teve uma vantagem, nunca mais fiquei doente.”3- ("JR" é paciente do CAPS Rosalino, João de Paixão de Monte Santo há 1 ano.)

Louco e Lúcido





segunda-feira, 15 de novembro de 2010

situação



Da janela do quarto a chuva derrama a lama, no berço alguém que já chorou adormeceu e calou. Vejo o cotidiano listrado da veneziana empoeirada desconheço o que sou porque algo transgrediu meu corpo. Não quero conversa nem amigos, não quero dor. A chama apagou no copo, cheira fuligem. Os órgãos reclamam o inóspito gosto da luz.  Olho as paredes do quarto, idílica clareira de cipós entrelaçados como no pensamento, sigo a força vital, do nada surge o desgosto, adormeço, acordo e me empanturro.

O estomago dói , o corpo dói a alma está partida, vejo claramente a dualidade uma agacha sobre o tapete azul e a outra transborda o que se foi, levanta e vai trabalhar.