quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Meio século de vida, penso em Voltaire e faço um pedido à Terra.


“Como é duro odiar os que se gostaria de amar.”


Dos iluministas o mais cínico, Voltaire nos traz nas entrelinhas desta frase tanta verdade, quanto verdadeiro é o nosso dia a dia de simples mortais.


Penso o quanto gostaria de amar todas as pessoas, os governantes, os fazedores das leis e os possuidores da balança que nos julga. O quão seria bom encontrar seriedade, confiança, humanidade e respeito nos atos daqueles que deveriam nos proteger e amar enquanto seres humanos e cidadãos.


São pessoas como eu, como você.


Porém dotados do poder, exercem, utilizam meios completamente ignóbeis e avessos para o fim desumano, faria Clístenes, convencionalmente chamado o "pai da democracia, revirar no túmulo de mármore grego.


Não obstante, o mármore é a pedra fundamental para este espécime, bonita aos olhos, moldável as conveniências, absorve da água límpida ao pútrido lodo.


Como viver e conviver com idéias tão contraditórias a tudo que se materializou e se tornou valores essenciais e vitais para mim.


Meio século de vida neste planeta.


“Terra! Terra! Por mais distante. O errante navegante. Quem jamais te esqueceria?...”


Terra!!  Não queria te odiar, queria ter enorme amor nos meus olhos enquanto te sinto em meus pés, portanto, faz-se valer da sua maternidade criadora de homens e perpetua o sentido maior de viverem em ti e para ti e primordialmente para nós.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Natal (reflexão)



Já é natal.

Não posso me conter.

em volta da mesa pessoas se juntam em nome do peru, do abacaxi da pinha,

dormem enfastiados, vomitam e peidam para os que nada tem.

sorrisos e choros de crianças mal criadas,

nunca se satisfazem com o que traz o  velho gordo.

outras adormecem sobre o estômago oco,

sonham com altdors cheios de sorrisos e presentes vermelhos,

andam pelas ruas no ritmo dos sinos que os fazem lembrar que foram esquecidas.

solitários, trôpegos e famintos margeiam o canal procurando o pasto,

burros e jegues sopram e aquecem o prato vazio,

a estrela sumiu no meio da fumaça de veneno.

reis negros e brancos trocam tiros no bar da esquina delimitando o território.

Meu Deus !!!!!!!!!!!!!!!!

esqueceram o menino.

obs. dedico este post aos "atletas que em evento promovido pelo patrocinador do time, maioria dos jogadores do Santos se recusaram a fazer entregas de ovos de páscoa para 34 pessoas - entre elas crianças e adolescentes com paralisia cerebral - porque a instituição beneficente segue a rotina espírita.
Neymar, Robinho e Ganso, entre outros, foram até o local, mas não desceram do ônibus.

Como posso concordar com ídolos da atualidade, cheios de músculos e sem nenhum crescimento humanitário.

“Cresçam Pessoas”

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Férias

 

Lembro-me que há oito anos estava nesta mesma euforia, chegada das férias, agora após todo este tempo  não sei o que fazer.


Os pacientes do CAPS, como sempre transparentes como cristal  fizeram questão de dizer o que estão sentindo:


 


SLN :  “Você vai vir nos visitar, vou sentir saudades, afinal somos amigos. Não somos?”


JAM:  “Vim aqui te desejar boas férias”.


N:       “Acho que vou tirar férias com você, quando voltar eu também volto”.


 


São palavras simples, mas tão carregadas de sentimento que emocionam. São tão significativas tanto  no ponto de vista profissional quanto emocional.


 

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

o Pobre menino "D"

 



Sobre “D”
Portador de esquizofrenia, autismo, retardo mental e asma, 13 anos, não tem pai, mora com um irmão mais novo e a mãe, (que apresenta caráter duvidoso). Antes do tratamento costumava prender cachorros em casa, abria os animais com faca ainda vivos, tirava os órgãos e se lambuzava de sangue, não deixava cortar o cabelo nem as unhas, não se comunicava com ninguém se recusava a tomar medicamentos.
Tem ainda o costume de ficar na porta da casa onde mora com dois baldes de plástico, posicionando a mão em concha transfere água de um balde a outro sem descanso. Mesmo não estando nessa atividade à mão continua sempre em forma concha.
Ensinamentos de “D”:
“Tenho medo da noite, minha mãe sempre sai e não volta”.
“Tem noite que “V”, meu namorado, vem me visitar, ele é mal, me fere com um garfo”.
““V” às vezes é bonzinho, me dá banho me faz carinho e me coloca para dormir”.
“Gosto de vir aqui, tem comida e todo mundo gosta de mim”
“O papai Noel vai chegar à minha casa e trazer frango assado, pernil e pesente para todo mundo”
“Minha mãe não cuida de mim, não faz comida e sai toda noite.”


Obs. “D” após um ano de tratamento no CAPS comunica com alguns profissionais, concorda em fazer higiene pessoal e toma os medicamentos diariamente. (para que tome o medicamento é preciso que todos fechem os olhos ou escondam o rosto com as mãos.)


Absorto perante as declarações de “D” descobri  que “V” o namorado, realmente não existe, os cachorros que sacrificava, tinha relação com um cachorrinho de estimação que sua mãe possuiu. o qual enchia de carinho   e atenção. Talvez o fato de ele abrir os animais tentasse de alguma forma descobrir a  atenção da mãe.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Alcoolismo


“N” é alcoolista, dona de casa, casada, 2 filhos, analfabeta, quatro anos abstêmia, passou por seis internações em hospital psiquiátrico, atualmente é voluntaria na cozinha do CAPS.


“Todas as vezes que voltava do hospital, passava no bar e comprava bebida”


“Hoje estou feliz aqui, fiz um juramento de ajudar a quem precisa”


“Sinto-me forte, levanto as 4 da manhã para fazer almoço para meu marido e tenho uma relação tranquila com meus filhos”.

Obs. "N" deu nome ao nosso grupo de referência* de "VItÓRIA".

* projeto desenvolvido para dar assistência aos usuários do CAPS, de modo que tenham voz, é um  espaço aberto para troca de informações relacionadas ao tratamento, alguns pacientes utilizam  o momento  para desabafar e questionar. Os encontros são semanais e cada profissional referencia 10 pacientes.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Experiências maravilhosas 3



Verão, calor escaldante, SLN foi aconselhado a tirar a jaqueta de inverno que estava vestido e colocar uma roupa mais apropriada:

Eu sou lavrador, resisti ao calor do corte de cana,  a terra fumegante ...

Resisti a cama com choque do hospital... O que não aconteceu com AM que não voltou mais e se foi para sempre. Eu votei.”

 

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A Loucura de não ser louco


“Temo que tudo isso acabe de uma hora para outra e eu volte ao hospital, aqui eu me encontrei.”


“Eu não vou internar vou?”


“Quando no hospital eu me sentia um lixo humano, não tinha nome nem cor, nem sapato. Eu perdi o meu nome”.


“Gostaria de esquecer de tudo, mas não consigo.”


(Depoimentos de pacientes do CAPS - 2010)



Iniciou com Dr. Pinel o batalha contra a internação e o isolamento da loucura. Século XXI e ainda constato as cicatrizes mentais, impossíveis de desaparecer, nos pacientes ex-internos, convivem diariamente com a nódoa provocada pela negação da sua individualidade, pela mortificação total dos seus desejos e anseios e o pior, da sua liberdade de exprimir os sentimentos. São degredados que foram perdidos em um pesadelo químico, indefesos das ações de violência e da covardia do tratamento manicomial.


Utilizam-se como estratégia para o entendimento, a separação temporal das diversas interpretações da loucura, porém,  ela está presente na íntegra até os dias atuais. Nós ainda somos testemunhas do preconceito construído neste trajeto a contramão da humanidade e estamos longe ainda de viver sem eles. Ouvimos diversos profissionais da saúde e familiares de pacientes analisando o “sofrimento mental” como faziam antes de Cristo ou na idade média.


A loucura ainda precisa ser revista nos conceitos humanos, precisa ser deliciada com a convivência das diversas nuanças humanas, evidenciada por entes especiais, solidários e portadores de belezas infinitas.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Inferno Astral



Dor mental, respiração ofegante, perda do apetite, não só aquele de comer comida, são sintomas característicos do mês de dezembro, afinal há meio século convivo com esse anão que  senta em meu peito.

Lembrei-me de uma metáfora de Rubens Alves digna de um sábio, sempre traduzindo o que  gostaríamos de  dizer.

“A celebração de mais um ano de vida é a celebração de um desfazer, um tempo que deixou de ser, não mais existe. Fósforo que foi riscado. Nunca mais acenderá. Daí a profunda sabedoria do ritual de soprar as velas em festa de aniversário. Se uma vela acesa é símbolo de vida, uma vez apagada ela se torna símbolo de morte.”

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

TENTAÇÃO (Salete Gurgel)


Me arrasto.
Encosto.
Mal vejo.
Bocejo...


É quente,
saliente,
latente
o desejo...


Não quero.
Não posso.
É vero
o ensejo...


Disfarço.
Refaço.
Cansada,
revejo...


Ao sabor
da sorte
não luto,
velejo!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Experiências maravilhosas 3



SC entra na minha sala, eu estava ouvindo Bach (no computador), ela senta, olha para fontinha de água (com formato de sol), que sempre fica ligada na minha mesa, fecha os olhos e descansa as costas no sofá –“Eu adoro a água do sol, ela refresca minha cabeça e até ouço música do céu, e como se estivesse me banhando e sonhando”, você tem os mesmos gostos que eu, também sou erudita.”

SC é portadora de esquizofrenia e semi-analfabeta.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Insano?

Se tivesse que definir SLN em poucas palavras seria “Responsabilidade, solidariedade”, “Gentileza e compaixão”, ele auto identifica-se a todo o momento, relata seu nome, idade e enumera seus entes queridos, como se isso fosse trazê-los para perto. Muitos daqueles que no passado negligenciaram na sua relação de amor.

O fato de ele dizer seu nome repetidas vezes resgata a memória de diversas internações que provocaram a sua mortificação mental, a despersonalização, a perda da sua identidade em uma nuvem de uniformes brancos e vaporosos, é como se tivesse medo de desaparecer no caos na miséria humana a que vivenciou.

A lembrança de seus entes queridos incansavelmente exercitada até a exaustão faz com que ele não os perca na memória. Memória esta  enevoada por dezoito comprimidos diários. Ou a compensação da carência na memória visual.

Doou seu próprio rim para salvar personalidade política e carismática da comunidade;



Não aceita nada que não possa ter utilidade para sua sobrevivência;

É autor diário de gentilezas no tratamento com as pessoas do seu convívio;

Torna-se extremamente preocupado em pagar o que deve, não comprando nada alem da quantia que recebe do benefício mensal, ou da pensão que sistematicamente tem que pagar para filha.

Todos que o conhecem de longa data dizem; “A sua insanidade fui fruto da  gravidez da noiva, nunca mais voltou a realidade”, O que teria levado SLN a se tornar insano? – Seria a possibilidade de possuir algo pelo resto da vida, ou o medo de se ver retratado naquele ser em formação.

Insanidade?

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Experências Lindas 2



OBS: são experiências com pacientes portadores de sofrimento mental durante tratamento no Centro de Atenção Psicossocial de Monte Sto. de Minas

Sou SLN nasci em Monte S. de Minas

Tenho 37 anos

Meu Pai é LMN

Minha filha é M

Sou aposentado

Pago pensão

5 min. Depois

Sou SL nasci em Monte S. de Minas

Tenho 37 anos

Meu Pai é LMN

Minha filha é M

Sou aposentado

Pago pensão

10 min. Depois

Sou SL nasci em Monte S. de Minas

Tenho 37 anos

Meu Pai é LMN

Minha filha é M

Sou aposentado

Pago pensão

15min. Depois

Quem eu sou mesmo?

sábado, 20 de novembro de 2010

Tricotilomania



Obs. Tricotilomania (mania de arrancar cabelos)

Depoimento da paciente “D” em novembro/2010

 

“Sempre fui uma filha desprezada, minha mãe tem o temperamento muito forte e dominador, aos 17 anos já tinha minha filha, aos 18 meu filho e assim casei com o pai das crianças.

... meu marido é alcoólatra, me maltrata (mostra cicatrizes nos braços).

Há 2 anos atrás, tentei ficar com outra pessoa, foi uma tentativa, não deu certo, voltei para casa de meus pais, grávida, meu ódio era muito grande e não consegui levar a gravidez para frente. Foi um período que não gosto de lembrar... (chora).

Voltei com meu marido e desde então ele joga na minha cara, humilha e machuca. Daí surgiu o hábito de arrancar meu cabelo, (mostra a região do couro cabeludo com boa parte sem pelos). Tenho vergonha de estar assim, então agora arranco os pelos pubianos, assim ninguém nota.

Para que eu possa sentir felicidade ele precisaria parar de beber (levanta os olhos e fica pensativa).

A vida é cheia de maldades, e não tem sido boa comigo. Tentei suicídio por quatro vezes, três vezes tomei muitos comprimidos e a terceira tente me enforcar. Nem para isso eu sirvo.

Sou gorda e meu marido não me quer mais. Tento suportar os dias e noites que respiro... (não quero falar mais).

 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Experiências lindas

[caption id="attachment_455" align="aligncenter" width="300" caption="Escultura de Jason Decaires Taylor - Museu submarino "][/caption]

Como dizia (John Dryden) "Há na loucura um prazer que só os loucos conhecem."

OBS: são exepriências com pacientes portadores de sofrimento mental durante tratamento no Centro de Atenção Psicossocial de Monte Sto. de Minas


No meio de um dia pesado de trabalho chega “M”1 na minha sala retira um embrulho do bolso “tome um sonho de valsa,  faz sonhar e sonhar é tudo que resta” 1- ("M" é paciente do CAPS Rosalino, João de Paixão de Monte Santo há 2 anos.)

“J” 2 chega até mim, e diz quero desabafar – “Vim de São Paulo, morava no Morumbi com meus filhos, a convite de um casal mudei para cá, trouxe um diário que contém informações que podem acabar com todos desta cidade, resolvi te poupar porque você trabalha muito e precisamos de você.” 2- ("J" é paciente do CAPS Rosalino, João de Paixão de Monte Santo há 2 anos.)

Perguntei a “JR”3: Você trabalhava, estudava, estava noivo, quando começou a sentir algo diferente em sua vida que o trouxe até aqui? “Foi quando tive uma doença no olho, acho que era infecção, o médico receitou um colírio, conforme eu ia pingando o líquido ele puxava meu cérebro para dentro do vidro. Hoje não tenho nada dentro da cabeça sou oco. Mas tudo isso teve uma vantagem, nunca mais fiquei doente.”3- ("JR" é paciente do CAPS Rosalino, João de Paixão de Monte Santo há 1 ano.)

Louco e Lúcido





segunda-feira, 15 de novembro de 2010

situação



Da janela do quarto a chuva derrama a lama, no berço alguém que já chorou adormeceu e calou. Vejo o cotidiano listrado da veneziana empoeirada desconheço o que sou porque algo transgrediu meu corpo. Não quero conversa nem amigos, não quero dor. A chama apagou no copo, cheira fuligem. Os órgãos reclamam o inóspito gosto da luz.  Olho as paredes do quarto, idílica clareira de cipós entrelaçados como no pensamento, sigo a força vital, do nada surge o desgosto, adormeço, acordo e me empanturro.

O estomago dói , o corpo dói a alma está partida, vejo claramente a dualidade uma agacha sobre o tapete azul e a outra transborda o que se foi, levanta e vai trabalhar.

sábado, 10 de abril de 2010

Sem olhar para traz


"Para mim os homens caminham pela face da terra em fila indiana.
Cada um carregando uma sacola na frente e outra atrás. 

Na sacola da frente, nós colocámos as nossas qualidades.
Na sacola de trás guardamos os nossos defeitos. Por isso durante a jornada da vida, mantemos os olhos fixos nas virtudes que possuímos, presas em nosso peito. Ao mesmo tempo, reparámos impiedosamente nas costas do companheiro que está adiante, todos os defeitos que ele possui. E nos julgamos melhores que ele, sem perceber que a pessoa andando atrás de nós, está pensando a mesma coisa a nosso respeito.»(giiberto de nucci).