quarta-feira, 21 de novembro de 2007

A leveza




Podemos dizer que duas vocações opostas se confrontam no campo da literatura através dos séculos: uma tende a fazer da linguagem um elemento sem peso, flutuando sobre as coisas como uma nuvem, ou melhor, como uma tênue pulverulência ou, melhor ainda, como um campo de impulsos magnéticos; a outra tende a comunicar peso à linguagem, dar-lhe a espessura, a concreção das coisas, dos corpos, das sensações. (Seis propostas para o próximo milênio, Calvino, I

Acredito que todos os que gostam de se expressar com palavras - e não só os poetas - se deparam com essa dupla qualidade de todas as línguas: muitas vezes, ao desejar ser rápido, tomar a linguagem como uma faca afiada que perfura e faz sangrar, parece-nos estar segurando um peso enorme, opaco e sem saliências ou reentrâncias que permitam ser manuseado. Ela permanece diante de nós: intacta, transformando o mundo todo em pedra diante de nosso desejo. Se uma tal variação tem cheiro, cor, textura, forma e densidade, como a Medusa do mito exige também ser tratada com delicadeza, tanta leveza quanto formos capazes numa aproximação - que por sua vez não pode ser direta, mas obedecer a todos os protocolos  requeridos por ....deuses.

Se entretanto tentamos tomar a linguagem como um objeto de estudo – espelho através do qual entrevemos outros tempos, pessoas, situações, conflitos, idéias....ela nos parecerá difusa, volátil, tão mais transparente quanto for a nossa capacidade de explorar sua densidade. E essa nossa capacidade, mais uma vez, estará ancorada em desvelo mais do que impetuosidade, em devoção mais do que em perspicácia, em capacidade de aceitar mais do que de análise.

Talvez pareça um tanto parnasiano esse texto, mas não posso fugir de meus atuais embates, na escritura da tese...como diria o poeta: sinto-me só e nua, no escuro.


medusa2.gif      



Um comentário:

  1. arrasou em mana ...
    adorei a nobreza da defesa do ponto de vista.;
    beijo
    alan

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