segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Perfeição - por André Pinheiro


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perfeição


  


jogo fora tudo que é perfeito. padrozinado, limpo, reto.


moralmente abençoado, benquisto, sacramentado.


fodam-se as regras do governo.


renuncio ao bem-aceito e aproveito para


convidar: vamos celebrar o imperfeito!


sou o fruto podre, a rima pobre, a grana pouca.


comigo carrego a inexatidão da miopia, o mais


impróprio improviso, a falha na percepção. o golpe


brutal, o dobrar das pernas, o inexorável tombo


e o beijo na lona. a boca seca, a tontura da ressaca,


o desencanto de um pênalti perdido. a merda no calçado,


o tropeção. o xeque-mate me persegue. sou


o eterno vice-campeão, participante desolado da segunda divisão.


sou profeta do caos, amante do erro, padroeiro


do infortúnio. repudio a precisão, digo não a todas


as virtudes. faço-me ouvir na nota errada


do músico amador; na voz estridente do cantor


desafinado. sou o palavrão, o mau-cheiro, o antibelo.


desilusão, desdita. o beijo negado, o amor


não-correspondido; a pele escura, a celulite, a cicatriz,


a flacidez. a palavra mal-escrita, o erro na pontuação.


a fala fanha, a calvície, o aleijão.


vagabundo, anti-herói, anjo torto, cicerone


do inferno. palhaço, matuto. andarilho coxo, malabarista


trêmulo. não tenho pátria, língua, religião. nada


me pertence, nada me conduz, nem me consola.


sou a amnésia, avesso da história. destruição.


do mundo sou a escória. caminho de mãos dadas


com o vício, a falência, a perversão. no bolso esquerdo


levo pragas, tempestades. pesadelos, viração.


mensageiro da incerteza e do fracasso,


exerço a minha fúria no parar de um coração.


não é muito bom estar aqui. sinto-me desonrado


com a vossa companhia.


muito desprazer, pode me chamar Imperfeição.


Achei o poema muito bom e  pedi ao andré pinheiro para publica-lo. Obrigado André.

do bolg  http://vivaverve.wordpress.com/



                            


                                  

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